sábado, 20 de abril de 2013

Comemorando o  Dia do Índio na Aldeia Vargem Alegre/ PANKARU - Serra do Ramalho - Bahia (19/04/2013)
Por: Maria Marques(Bióloga)

História dos Pankarus:                                          
Antes de se auto-denominarem Pankaru, os indígenas da Aldeia Vargem Alegre, localizada na Agrovila 19 (criada pelo INCRA), município baiano de Serra do Ramalho, eram conhecidos como Pankararu-Salambaia. Em fins de 1980, resolveram mudar de nome para diferenciar-se dos Pankararu que habitam no lado pernambucano do Vale do Baixo-Médio São Francisco (Petrolândia, Itacaratu). Segundo o cacique Alfredo José da Silva Pankaru, a mudança se fez necessária porque os órgãos governamentais confundiam as duas comunidades. Desse modo, as melhorias solicitadas pela comunidade da Agrovila 19 eram, muitas vezes, encaminhadas para os Pankararu de Pernambuco, há muito tempo reconhecidos pelas autoridades constituídas.



Dona  Maria (esquerda) nora do patriarca e pajé Apolônio
Foto: Maria Marques/2013



Dança indígena do  Toré
Foto: Maria Marques/2013

Na representação Pankaru, Apolônio Kinane adentrou a mata à procura de uma comunidade indígena denominada Morubeca que sabia viver nas proximidades da Serra do Ramalho, município de Bom Jesus da Lapa-BA, com a qual acreditava ter laços de parentesco. Quando chegaram à região, os indígenas procurados já não mais se encontravam no local. Haviam sido expulsos por grileiros, ganhando as picadas e se estabelecendo, segundo o informante, em território goiano.

A chegada dos Pankaru à Serra do Ramalho coincidiu com a exploração de minérios na região. Na representação indígena, foi o patriarca Apolônio quem descobriu minério na Serra Solta (florita), em fins dos anos 50, recebendo em recompensa do prefeito municipal de Bom Jesus da Lapa, Antônio Cordeiro, área na qual havia se estabelecido.

Em princípios de 1970, o extremo sudoeste da Bahia tornar-se-ia palco da ação de inúmeros grileiros. Um decreto presidencial, publicado em 1973, declarava a região do Médio São Francisco prioritária para desapropriação. A medida se fazia necessária por causa da desapropriação não só da área da Barragem de Sobradinho, mas também da área onde seria reassentada a população desabrigada. Diante da possibilidade de serem indenizados, os grileiros começaram a atuar na região, tentando expulsar a população local desprovida de título de propriedade.

Fonte: http://pib.socioambiental.org/pt/povo/pankaru/904



Maria Marques( Bióloga) à esquerda, junto com  Dona Maria (Nora do Pajé Apolônio)
Foto: Maria Marques/2013

Como muitos outros grupos na região Nordeste do Brasil, os Pankaru tiveram sua identidade indígena reconhecida pelo Estado, bem como a homologação de suas terras apenas no início dos anos 90. Sua trajetória foi pontuada por uma sucessão de conflitos fundiários com grileiros e posseiros, que ainda não foram totalmente resolvidos. Além de um histórico de opressão e marginalização pela sociedade não-indígena, os Pankaru têm em comum com os demais grupos indígenas chamados "emergentes" o ritual secreto do "Toré", marca de identidade e resistência cultural.



Foto: Maria Marques/2013

Em 2003, a pequena comunidade pankaru compreendia um conjunto de 14 famílias que se dividia entre a Agrovila 19 e a Aldeia Vargem Alegre, transferida do "centro" para a "boca" da mata de Serra do Ramalho, distante aproximadamente 2 Km da citada agrovila. O município de Serra do Ramalho, emancipado de Bom Jesus da Lapa em 1989, fica localizado no oeste baiano, em região semi-árida à margem esquerda do Rio São Francisco, região que no passado era denominada de Além São Francisco.
A sede do município de Serra do Ramalho dista de Salvador 845 Km e 40 Km de Bom Jesus da Lapa. A Agrovila 19, onde se encontra a Aldeia Vargem Alegre, está distante da sede municipal (Agrovila 9) 22 Km e do Rio São Francisco aproximadamente 30 Km.
Antes da criação e implementação do Projeto de Colonização de Serra do Ramalho (com o qual o Incra criou as Agrovilas), a região era praticamente toda ocupada por uma mata complexa e virgem (Mata Caatingada, Cerrado e Vegetação Hidrófila), possuindo uma grande mancha formada de espécies nobres, tais como o ipê, o cedro, a aroeira, a baraúna etc. A terra era fértil para lavoura e com pastos para o gado. Além dos rios perenes - São Francisco, Carinhanha, Formoso e Corrente -, na encosta da Serra corriam riachos e córregos intermitentes.
No passado, a região era vista pelas populações sertanejas como uma espécie de oásis, ao qual recorria grande parte dos flagelados das constantes secas que acometem o Nordeste, sobretudo aqueles vindos da Serra Geral e da Chapada Diamantina, sendo considerada como menos árida, recoberta por matas frondosas e ricas em espécies animais.
Além das famílias de Serra do Ramalho, outras famílias pankaru vivem em Jandira, município da Grande São Paulo; uma família vive em Goiás; sete famílias vivem em Muquém do São Francisco -BA, município localizado também à margem esquerda do Rio São Francisco [dados de 2003].



 Cacique Edmilson da Silva
Foto: Maria Marques/2013

               

                                         

Maria Marques e Cacique Edmilson
Foto: Maria Marques/2013


Dona Maria
Foto: Maria Marques/2013


A dança-Toré

A pequena comunidade Pankaru pratica o toré. O ritual apresenta duas modalidades que se diferenciam pela funcionalidade/finalidade. Uma é a "dança do toré", ritual praticado como demonstração da diferenciação étnica, apresentado, em geral, nos dias de festa e comemoração, como o dia do Índio, por exemplo. De caráter lúdico, nela os indígenas cantam e dançam, mas não sorvem a "jurema" - bebida que chama os "encantados" - nem permitem a manifestação de nenhuma entidade sobrenatural. A outra modalidade é o "toré dos encantados", ritual no qual os indígenas manifestam com toda potencialidade o conteúdo da diferenciação étnica. Este ritual é praticado nas matas e, além de sorverem a "jurema", os indígenas recebem entidades e encantos. Há várias linhas de toré.


Foto: Maria Marques/2013



Foto: Maria Marques/2013


                                                             Foto: Maria Marques/2013




Foto: Maria Marques/2013

Entrada da Aldeia Vargem Alegre/Pankaru
Foto: Maria Marques/2013

Quando se fixaram em Serra do Ramalho, além da agricultura para consumo próprio, os índios praticavam o extrativismo e a caça nas frondosas matas que recobriam a Serra. O patriarca fabricava o rapé e as "garrafadas de remédio do mato"; as mulheres fabricavam produtos artesanais - feitos de fibras e argila. Estes produtos eram vendidos nas feiras de Taquaril, Bom Jesus da Lapa, Santa Maria da Vitória e, inclusive, Brasília, auxiliando a sobrevivência do grupo familiar.

Hoje, a pequena comunidade Pankaru vive da agricultura de "sequeiro" - dependente das chuvas - praticada na Aldeia Vargem Alegre, da aposentadoria rural e da venda da mão-de-obra nas fazendas e nos projetos de agricultura irrigada, instalados na região pela CODEVASF (Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco).

O milho, a mandioca, o feijão - em duas variedades: o "catador" e o de "arranca", bem como o algodão são cultivados em pequenos lotes individuais, cujas safras mal suprem as necessidades nos dois meses subseqüentes. Além da agricultura, alguns membros criam umas poucas cabeças de gado bovino. O lote de 14 cabeças adquirido, através de projeto financiado pelo Banco do Nordeste com a intermediação da Funai, foi abatido ou vendido pelos seus proprietários nos momentos de dificuldade financeira.

De acordo com o cacique Alfredo Pankaru, a comunidade pensava em desenvolver um projeto de criação de cabras, mas esbarrava na oposição do Patriarca Apolônio: "O pajé velho, meu pai, não quer saber de cabra. Diz que cabra dá trabaio, de que cabra vai pra roça dos outros e que não sei o quê... Ele tem um carrancismo danado. Não gosta de cabra".

Após a implantação do Projeto de Colonização de Serra do Ramalho, a rica e variada vegetação, com exceção de parte da área da Aldeia Vargem Alegre, foi toda derrubada pelos colonos do Incra, expropriando dos índios sua complementação alimentar.

Nos últimos anos, as secas na região têm sido constantes e os indígenas reclamam dos seus efeitos devastadores, reivindicando aos órgãos governamentais a irrigação prometida pelo Incra quando da implementação do Projeto Especial de Colonização de Serra do Ramalho.

Cacique Alfredo José Pankaru e Lourdes Pankaru. Foto: Ely Souza Estrela, 1999.


Por muitos anos, o patriarca Apolônio acumulou as funções de cacique e pajé. Em meados de 1980, sentido-se "velho", resolveu "entregar" a função de chefia a um indígena de origem Atikum que vivia na Aldeia Vargem Alegre. Pouco depois, os Atikum voltaram a Pernambuco e Isaura, filha do pajé, reivindicou a chefia. A reivindicação de Isaura foi questionada pelo irmão Alfredo. "Ele dizia que tinha que ser homem; que ele tinha direito porque era o filho mais velho" (entrevista de Rosália, março de 2003). O desejo de Alfredo acabou prevalecendo e a irmã, Isaura, foi viver em Goiás, migrando, em seguida, para Muquém do São Francisco.
Embora acreditasse que as brigas com os brancos provocaram o enfraquecimento de sua "ciência", o velho Apolônio, até sua morte, em 2002, era visto e reverenciado como pajé. Seu filho Aldredo o substituiu no papel de cacique, mas ainda não foi identificado um novo pajé.